quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Livro revela como rascunhos, cartas e outros materiais são utilizados nos estudos literários

No início, para os estudos literários, a vida era o verbo. Ou seja, a biografia do autor explicava sua obra. Nos anos 1960 e 1970, radicalizou-se para outro lado: a vida do autor foi negligenciada. Contemporaneamente, os pesquisadores trilham outro caminho. Eles não precisam respeitar fronteiras entre a face pública e a vida privada do escritor. E exploram fontes diversas como cartas, esboços e processos de edição.

Essa nova linha inspira um dos lançamentos recentes da Editora UFMG: Margens teóricas – memória e acervos literários. “O campo dos estudos literários foi alargado. Trabalhamos materiais e processos que mostram os bastidores da criação literária e localizam o autor na rede cultural em que ele produziu”, explica Roberto Said, professor da Faculdade de Letras e um dos organizadores do livro. Os capítulos da obra foram produzidos por professores e alunos de graduação e pós-graduação envolvidos em pesquisas em torno do Acervo de Escritores Mineiros, da UFMG.

Organizado também por Sandra Nunes – professora da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), de São Paulo, e pós-doutora pela UFMG –, o livro está dividido em seções de acordo com a natureza dos documentos utilizados. Numa delas, os autores interpretam obras a partir do conteúdo das correspondências, que contêm informações consideradas relevantes para o conhecimento do processo de criação literária.

“Esses textos, que em geral retratam amizades literárias, ajudam a reconstruir histórias de vida e de escrita”, justifica Roberto Said, pós-doutor em estudos literários pela UFMG. Segundo ele, as cartas, que muitas vezes traduzem relação entre mestres e aprendizes – como Carlos Drummond de Andrade e Cyro dos Anjos; Mario de Andrade e Henriqueta Lisboa –, contam da formação do autor, ancorada nos conselhos de alguém mais experiente e admirado.

Garimpo nas gavetas

Os 14 artigos que compõem Margens teóricas relatam pesquisas acerca de nomes como Drummond, Murilo Rubião, Guimarães Rosa, Marcel Proust e Chordelos de Laclos. O poeta de Itabira aparece na seção Entre-escritas, resultado do trabalho de pesquisadores-garimpeiros que vão atrás de textos de juventude, esboços e manuscritos que ficaram na gaveta. “No esforço de identificar os caminhos traçados e abandonados pelos escritores, nos desdobramos em críticos literários, historiadores e sociólogos”, explica Roberto Said.
Ele fala com propriedade: é autor do artigo que descreve como é possível revelar Drummond por meio de textos escritos para jornais da então recém-fundada Belo Horizonte. “Leitor insaciável” de publicações estrangeiras, de acordo com Said, Drummond contava o que acontecia no mundo – da primeira tentativa de Hitler de tomar o poder às novidades sobre a produção de Proust – fazendo contrapontos com o cotidiano na acanhada capital mineira, a que ele se referia como “a cidade do tédio”.

Outra seção do livro aborda os espaços em concepção ampla. O texto de Roniere Menezes, por exemplo, investiga como escritores-diplomatas, como Guimarães Rosa, Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto, expressaram as novas imagens que passaram a fazer de seu país a partir das experiências em temporadas passadas no exterior, a serviço.

Finalmente, outra temática explorada pelos pesquisadores está ligada à edição dos textos. A seção Entre-livros inclui uma das histórias mais interessantes de Margens teóricas. Nos anos 1930 e 40, o mineiro Eduardo Frieiro criou uma cooperativa, a Sociedade Editora Amigos do Livro, que lançou obras de estreia de diversos escritores. Apesar de sugerir um trabalho organizado, era um empreendimento amador. “Assim como rascunhos, cartas e outros materiais, todo o processo de transformação de textos em livros geralmente tem muito a dizer sobre a obra de um escritor”, completa Roberto Said.

Livro: Margens teóricas – Memória e acervos literários
Organizado por Roberto Said e Sandra Nunes
Editora UFMG
197 páginas / R$ 38
(Matéria de Itamar Rigueira Jr. publicada no Boletim UFMG, edição 1.718)

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